Projectos e Actividades da FUNDE Ajudam no Desenvolvimento de Moçambique

Rosânia Pereira da Silva fala sobre os projetos da FUNDE, a Fundação Universitária para o Desenvolvimento da Educação, um organismo legal autoempregado sem fins lucrativos, que trabalha junto com a Universidade Politécnica.

Entrevista com Rosânia Pereira da Silva, Directora Executiva da FUNDE (Fundação Universitária para o Desenvolvimento da Educação)

Rosânia Pereira da Silva, Directora Executiva da FUNDE

A FUNDE é parceira da Universidade Politécnica?

A FUNDE é um organismo legal autónomo, que não depende estruturalmente da Universidade Politécnica, mas trabalhamos juntos. A universidade, porém, não é um dos investidores da FUNDE, que gera o seu próprio facturamento. A ideia de criar a FUNDE surgiu a partir do desenvolvimento e crescimento da própria universidade. Na verdade, o Reitor da Universidade também é o Presidente da FUNDE. Na FUNDE há um conselho de administração e uma direcção executiva, da qual faço parte. Tentamos identificar oportunidades e gerimos projectos, dentre outras tarefas.

A ideia de criar a FUNDE surgiu em discussões na universidade. Na verdade, o Reitor também é CEO da FUNDE. Há um corpo de gestores e uma direção executiva, da qual faço parte. Tentamos identificar oportunidades e gerenciamos projetos, entre outras tarefas.

Pode se referir, pelo menos, a uma dessas oportunidades?

Fomos contratados pela Vale/CDN, para auxiliar no reassentamento de famílias em Nampula. Esses reassentamentos servem para remanejar famílias que moram nos lugares que receberão novas construções, como o caminho-de-ferro. O projecto de caminho-de-ferro se estende de Cuamba a Nacala-Porto e foi necessário realocar as famílias que viviam nesse trajecto para poder continuar a construção. O nosso projecto passa pela transferência dessas famílias para um domicílio provisório, até que as suas novas casas estejam prontas e a sua posterior transferência para a casa definitiva e seu acompanhamento social. Não somos nós que construímos essas casas, mas sim as construtoras. Nós gerenciamos o processo e fazemos a ligação entre essas famílias, a CDN e as construtoras. Tentamos garantir que as famílias aceitem essas casas como suas. Há alguns anos, quando não havia esse tipo de acompanhamento, as famílias eram removidas de suas casas e, ao chegar ao novo imóvel, não sabiam se lhes pertencia ou se havia sido emprestado pelas companhias. Estamos a trabalhar também em programas sociais para as famílias: mostramos como usufruir da nova casa e ensinamos novos métodos de higiene, por exemplo, uma vez que essas pessoas vêm de habitações precárias, sem casas de banho, enquanto as novas casas têm uma infra-estrutura melhorada. Acompanhamos as famílias durante um ano, se precisarem de ajuda ou tiverem problemas de adaptação. Fazemos também o processo de documentação e registo documental mostrando o que está acontecendo, para que no futuro as pessoas entendam como surgiu esse novo bairro. Para nós, o reassentamento não é só o processo de remover uma família, demolir uma casa e providenciar outra. É muito mais do que isso. Entendemos que tudo isso terá um impacto social, cultural e económico nas vidas das pessoas.

Uma mulher recebendo a casa nova
Uma mulher recebendo a casa nova

Esse processo pode ser adaptado a outra companhia, além da Vale/CDN?

Já estamos a ser procurados por outras empresas que ouviram falar do nosso trabalho e querem trabalhar connosco. O que posso dizer é que os projectos de reassentamento estão ocorrendo em todo o país, porque há grandes projectos chegando a Moçambique, em Pemba, Maputo e Moamba, por exemplo. As empresas hoje têm mais cuidado ao retirar as pessoas dos seus locais originais de habitação. Com o impacto social dos reassentamentos as companhias perceberam que deve haver outra maneira de lidar com as pessoas, respeitando a sua cultura e suas tradições. Agora as companhias procuram envolver e conversar com as famílias, explicando-lhes o que vai acontecer e por que precisam de se mudar.

Projetos de reassentamento estão ocorrendo em todo o país
Projetos de reassentamento estão ocorrendo em todo o país

Têm outros grandes projectos além dos de realocação?

A realocação será o ponto forte da FUNDE, por isso nos especializamos em gerenciamento de conflitos e em relações com a comunidade. De momento estamos a qualificar a nossa equipa nessas áreas. Por isso acredito que esse será nosso ponto forte.

Que outros projetos têm crescido?

A FUNDE não tem fins lucrativos, então o nosso facturamento é investido em projectos sociais. Agora estamos focados em projectos de qualificação em Nampula, Tete, Quelimane e Chimoio.

A FUNDE não tem fins lucrativos, então o nosso facturamento é investido em projectos sociais. Agora estamos focados em projectos de qualificação em Nampula, Tete, Quelimane e Chimoio. Com tantos projectos importantes em curso em Moçambique há uma demanda por mão-de-obra qualificada e as empresas gastam muito dinheiro com isso. Muitas companhias costumavam contratar moçambicanos e enviá-los a outros países para receberem o treinamento adequado. Hoje, no entanto, essas empresas vêem que é mais fácil e barato treiná-los em Moçambique. Por isso, somos procurados por grandes companhias que querem oferecer qualificação adequada às suas equipas para que saibam exercer condignamente as suas funções. Neste momento estamos a oferecer cursos para capacitar electricistas e mecânicos, bem como a formação em administração de equipas, liderança e gestão de negócios. Isso significa que o crescimento de um país caminha em paralelo com a mudança e as pessoas têm de estar preparadas para isso. Um exemplo: é comum principalmente nos estabelecimentos fora da capital, termos de esperar muito tempo por uma refição simples como um bife com fritas,, mas felizmente os prestadores de serviços já perceberam que precisam de melhorar seus serviços, porque ninguém acha aceitável esperar tanto. As empresas estão contratando profissionais qualificados ou qualificando suas equipas. Nos hotéis também está a haver mudanças. Há demanda por informação e qualificação, que são sinónimos de qualidade e os fornrcedores já perceberam que, sem essa qualificação, os investimentos não terão sucesso. Por isso, o nosso lema é “educar para desenvolver”. Acreditamos que é preciso estar preparado para promover mudanças. Concluindo, não estamos apenas trabalhando com projectos de reassentamento, mas também com a preparação social.

A FUNDE também providencia qualificação
A FUNDE também providencia qualificação

Vocês treinam apenas as pessoas que já trabalham em alguma empresa?

Estamos qualificando quem está empregado, mas em posições inferiores. As companhias querem qualificar esses funcionários porque isso se reflectirá nos serviços oferecidos. Uma arrumadeira que sabe arrumar a cama, por exemplo, se for ensinada a melhorar a qualidade do serviço que presta, certamente isto significará maior valor do serviço deste estabelecimento. Além disso, algumas empresas nos pagam não só para treinar seus funcionários, mas também para qualificar quem mora nas comunidades vizinhas, para criar uma conscientização social.

Como funciona a qualificação de funcionários e moradores vizinhos contratada pelas companhias? Vocês apresentam o serviço a essas pessoas ou são procurados por elas?

Antes éramos nós que apresentávamos o projecto de conscientização social às companhias. Hoje muitas empresas nos contactam porque vão abrir uma filial e precisam qualificar os moradores das comunidades vizinhas e, consequentemente, seus funcionários. Isso ajuda a comunidade a ter melhores hotéis, restaurantes, etc. A preocupação das companhias é com o quadro global, pois é muito mais barato preparar a comunidade para o desenvolvimento que está chegando do que pagar movimentar regularmente um trabalhador que não quer ficar na região após o expediente porque não vê nada de interessante para ver ou fazer. Muitas companhias estão tentando criar um ambiente melhor para seus projectos, com melhores condições de trabalho, o que, consequentemente, muda as comunidades.

Que tipo de projeto necessita dessa qualificação com viés social?

Especialmente, os cursos de treinamento técnico, social e de serviços. Em Mocuba, por exemplo, temos um projecto similar a esse que estamos discutindo. Há indícios de que em poucos anos a cidade estará bastanre desenvolvida, mas seus serviços ainda são de muito fraca qualidade, por isso os trabalhadores de restaurantes, hotéis e outros estabelecimentos precisam ser qualificados. Estamos a trabalhar com mecânicos, carpinteiros e empresas sociais, entre outros, para assegurar um progresso global. Essa qualificação trará progresso, não só para quem está sendo treinado, mas também para suas famílias, que, devido à melhoria de vida de seus pais e da comunidade, um dia chegarão à universidade, por exemplo.

O lema da FUNDE é "educar para desenvolver"
O lema da FUNDE é “educar para desenvolver”

Que empresa vos contratou em Mocuba?

Em Mocuba estamos a trabalhar com a Agéncia de Desenvolvimento do Vale do Zambeze e procuramos envolver as pequenas empresas para conscientizá-las da necessidade de qualificar os seus funcionários. Muitas entendem essa necessidade, mas, às vezes, não consideram como prioritário investir na formação dos seus trabalhadores.

Em vez de ir a cada empresa, não é possível tentar uma única abordagem a várias?

Esses processos, infelizmente, levam tempo e não nos trazem uma resposta imediata, por isso temso de tentar várias abordagens. Hoje estamos a trabalhar com instituições de microcrédito e grandes bancos para ajudar os clientes a administrar melhor os seus negócios. Assim, o banco reduz a margem de risco e os negócios melhoram a sua administração. Tentamos providenciar uma qualificação pequena, mas específica, para esses clientes, sem necessidade de gastar muito tempo com aulas. Os cursos vão desde como lidar com bancos até como saber o que é facturamento e o que é lucro. Algumas pessoas nos deram um feedback positivo, dizendo que a qualificação as ajudou a melhorar a sua empresa e fazê-la crescer.

Os bancos se mostram abertos a esses treinamentos?

Na verdade, muitos bancos reduzem a sua margem de risco se o cliente já tiver participado nos nossos cursos. Os bancos entendem que pequenos empresários precisam saber o que é um investimento, um empréstimo, para que possam aumentar os lucros e pagar por essas operações. Caso contrário, eles sofrerão com mais despesas.

A sua instituição estará a registar um bom facturamento?

A FUNDE não tem fins lucrativos, então o nosso facturamento é reinvestido em projectos sociais. Agora estamos focados em projectos de qualificação em Nampula, Tete, Quelimane e Chimoio, e que atinjam tanto os funcionários das companhias como os de seus parceiros em projectos. Também trabalhamos com o sector público para qualificar gestores de escolas públicas e professores. A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento trabalha connosco, fazendo pesquisas, a nível nacional, sobre como o país é governado. Esse projecto é financiado por eles, mas, se houver lucro, será investido em futuros projectos sociais.

Também actuam com rádio e comunicações?

Sim, mas com uma perspectiva social e não de negócios. A rádio foi criada no âmbito de um projecto chamado PACTO que já terminou e fomos um dos parceiros deste projecto. O nosso papel era criar uma rádio universitária para discutir assuntos relacionados à saúde. É uma estação de rádio que pode mudar comportamentos. Criamos, por exemplo, uma série dramática ( radionovela) para despertar a conscientização a respeito de doenças que proliferam pelo país, como a SIDA e a malária. Além da série, há um programa de dicas de saúde, que ensina, por exemplo, a dar banho a um bebé. Pensamos no formato de rádio porque as pessoas podem estar a fazer outra coisa e ouvir a rádio ao mesmo tempo. Com a TV, é necessário olhar para as imagens e, às vezes, não há tempo para isso. Neste ano comemoramos três anos de criação da rádio e o número de ouvintes é muito bom, mesmo que os nossos nichos sejam jovens universitários e idosos. Não podemos, no entanto, considerar a rádio como fonte de renda. É um investimento social da universidade. Mesmo que haja entidades, como a Embaixada da França, querendo apresentar um conteúdo na rádio, ela não pode ser considerada uma fonte de renda.

A rádio universitária também serve para discutir assuntos relacionados à saúde
A rádio universitária também serve para discutir assuntos relacionados à saúde

E em relação às parcerias público-privadas?

A Universidade Politécnica assinou um contrato com o Conselho Municipal de Maputo, válido por cinco anos, para um programa no qual a universidade administraria cinco escolas públicas de ensino básico para melhorar a sua qualidade. O exemplo é a Escola 25 de Junho, na rua 7, que administramos há três anos. Quando começamos, não havia sequer uma carteira para as 1300 crianças, que sentavam no chão. Por mais de 25 anos não houve uma melhoria na escola. O tecto tinha buracos, então, quando chovia os alunos ficavam num canto ou eram mandados para casa, porque não havia condições para aulas. Vendo isso, angariamos fundos para desenvolver a escola, que hoje tem um tecto bom, um piso adequado e carteiras para todos os estudantes. Primeiro cuidamos do equipamento para depois qualificar os professores, pois muitos usavam métodos pedagógicos já ultrapassados e necessitavam de um acompanhamento nesta área. No mundo actual, a abordagem dos professores precisa ser diferente para criar um ambiente atraente para os alunos. Nosso objectivo é tornar as escolas públicas tão boas quanto as particulares. Também estamos a desenvolver programas ligados à cultura e desportos, entre outros, enquanto mudamos mentalidades.

O objetivo da FUNDE é tornar as escolas públicas tão boas quanto as particulares
O objetivo da FUNDE é tornar as escolas públicas tão boas quanto as particulares

Nesses casos, o principal investidor é o governo?

Não, o governo ainda paga os professores e as despesas com as quais já arcava. Nós demos um passo a mais. Procuramos parceiros para reconstruir a escola, fizemos exposições para os pais dos alunos mostrarem seu artesanato e, assim, ajudamos a arrecadar fundos para comprar coisas novas para a escola.

Vocês estão procurando investidores estrangeiros?

Claro. Não só porque muitos de nossos projetos pertencem a companhias estrangeiras que estão investindo em Moçambique, mas também porque muitas dessas organizações têm possibilidade de financiar essas iniciativas. Estamos sempre procurando novas oportunidades de financiamento.

Como esses investimentos acontecem?

De duas maneiras. Uma é por solicitação: quando vemos uma oportunidade de investimento apresentamos o nosso produto a uma empresa. Noutra vertente as empresas aproximam-se e apresentam suas ideias e necessidades. Nesse caso, depois de uma certa discussão, elas vêem que somos confiáveis e decidem trabalhar connosco. A outra maneira é participar de concursos. Mas acreditamos que a solicitação seja o melhor método.

Quem vai ter convosco?

Em geral, companhias que precisam qualificar funcionários e a comunidade circunvizinha.

São empresas estrangeiras estabelecidas em Moçambique?

Sim, são empresas internacionais que estão investindo em Moçambique e entendem que é difícil encontrar trabalhadores qualificados. Por isso nos procuram e nos pedem para qualificar os funcionários em vez de enviá-los para fora.

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