Políticas e Gestão da Língua Portuguesa por Lourenço do Rosário

Texto de Lourenço do Rosário, Reitor da Universidade Politécnica, sobre políticas e gestão da língua portuguesa.

Políticas e Gestão da Língua Portuguesa por Lourenço do Rosário

A formação das nações tem como fundamento essencial a definição primordial de políticas da língua, cultura e educação, como subsídios básicos para as restantes políticas fundacionais.

Em situação pós-colonial, os estados que, em algum momento histórico, foram colónias e que se debatem com questões de definição da sua identidade histórica e geográfica, bem como sócio-cultural, as políticas de língua presidem a reflexão inicial de todo o processo de construção da nação, porque delas dependem as restantes formas de expressão de identidade e identificação.

Apenas a jeito de algumas notas, podemos considerar, muito antes, por exemplo, o caso do Brasil. Antes mesmo do Grito do Ipiranga,que proclamou a independência do país em 1822, quando o Brasil se constituía já como uma colónia robusta, pleiteando a hegemonia de influência internacional com a sua metrópole, a política da língua surgia como elemento fundamental do processo fundacional.

Assim, o Marquês de Pombal, no século XVIII teve um papel fundamental com algumas decisões políticas estruturantes para constituir a unidade territorial e linguística com que hoje o Brasil se apresenta. O seu conflito com a Companhia Missionária de Jesus e as subsequentes guerras das Missões que visavam a eliminação da grande influência que os jesuítas exerciam sobre as populações indígenas e desafiavam a autoridade do Reino, teve como consequência, dentre outras, algumas medidas que marcaram a configuração do mapa linguístico do Brasil.

Em 1757, através da Lei do Directório dos Índios, o Marquês de Pombal proibia o uso da Língua Geral, no Reino e anunciava a aceleração do processo de expansão da língua portuguesa por todo o território brasileiro. Naturalmente que esta decisão política não extinguiu a existência das mais de 170 línguas indígenas que ainda hoje se falam no Brasil, segundo estudos mais recentes e que à altura seriam o dobro, mas marcam a percepção da unidade linguística.

Já no início do século XX, Getúlio Vargas reforçou esse desiderato quando impôs a proibição do uso das línguas dos grupos imigrantes que afluíram a este País desde a abolição da escravatura – alemães, polacos, italianos, japoneses e outros – que se constituíram em comunidades fechadas, tentando preservar os seus hábitos culturais e educacionais e procurando também manter as suas línguas. Com estas medidas de estratégia política criou-se consensualmente a percepção de que apesar da sua grandeza territorial e do número de habitantes, o Brasil era um país monolíngue.

Não é nosso propósito aprofundar a questão das políticas da língua portuguesa no Brasil, mas apenas apresentar aqui estas notas para ver que a questão de políticas da língua acompanha sempre o processo estruturante de construção da nação.

No caso de Moçambique, que hoje é o nosso foco para esta intervenção, o processo não foi diferente. A política colonial dos portugueses, em África, após a Conferência de Berlim, no final do século XIX, trazia os mesmos pressupostos assimilacionistas como estratégia de dominação e criação de unidades territoriais distintivas de outros territórios dominados por outras potências coloniais. Portugal tinha a consciência da sua fragilidade estratégica face aos outros protagonistas que, da Conferência de Berlim, ganharam direito à partilha e domínio administrativo dos territórios africanos. Assim, em Moçambique, Portugal seguiu uma política de educação indígena através das Missões Católicas que ministravam o ensino rudimentar para introduzir os nativos nas noções básicas do domínio da língua portuguesa, de modo a que mais facilmente pudessem ser integrados no sistema administrativo colonial. Daí que o sistema de educação missionário entregue à Igreja Católica, considerado “ensino rudimentar” não passava da 3ª classe e tinha como objectivo fundamental, alfabetizar, contar e dominar rudimentos da língua portuguesa, de modo a poder comunicar-se minimamente com outros actores do sistema que a administração portuguesa havia montado no território.

No início da década de 70, quando surgiram os movimentos nacionalistas de libertação nacional, as estatísticas diziam – nos que em Moçambique não havia mais que 170.000 falantes da língua portuguesa, entre brancos, mestiços, indianos de origem goesa e negros assimilados, num universo de cerca de 9 milhões de habitantes.

Assim, vemos que a política da língua portuguesa seguida pelo regime colonial tinha objectivos muito claros de manter controlado e monitorado o processo de dominação. A mudança de estratégia educacional introduzida por Veiga Simão, ainda no início desta mesma década de 70, visando a universalização do ensino obrigatório e com ela a expansão do ensino da língua portuguesa, veio tarde para as colónias africanas porque já sopravam os ventos do nacionalismo e consequente movimento de libertação.

No 1º Congresso de fundação da Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, em 25 de Junho de 1972, um dos pontos fundamentais do debate fundacional desse movimento foi exatamente em que língua se iria conduzir o processo da Luta de Libertação de Moçambique.

Eduardo Mondlane é tido como o arquitecto da unidade nacional e os manuais da história da Luta de Libertação Nacional de Moçambique e do processo nacionalista realçam sobretudo a unidade dos três movimentos: UDENAMO, UNAMI e MANU e não evidenciam o debate que se desenvolveu por detrás dos fundamentos que consubstanciavam o conceito dessa unidade desejada, porque a unidade política e estratégica pressupunham sempre uma série de outros elementos sedimentares que não sendo consolidados, poderiam funcionar como semente de desunião e desagregação do próprio movimento. E a língua portuguesa foi um dos instrumentos que foi tido em conta como sendo fundamental para a unidade na luta, face à diversidade etnolinguística do conjunto da população de Moçambique de onde provinham os jovens nacionalistas.

Foi em língua portuguesa que todo o sistema da comunicação militar, de propaganda e mobilização política para o interior do País se desenrolou e foi em língua portuguesa também que a Frelimo se apresentou internacionalmente, junto dos diversas países e organizações, buscando apoio para sua causa como o legítimo representante do povo moçambicano.

Na 1ª Constituição da República Popular de Moçambique, aprovada em 1975, a língua portuguesa já era definida como língua oficial. E no 3º Congresso da Frelimo, em que esta Frente de Libertação de Moçambique foi transformada em partido político, em 1977, o uso da língua portuguesa foi encarado como a melhor estratégia para consolidar a unidade nacional, mas pela primeira vez se referiu que o olhar sobre as línguas nacionais não deveria ser descartado e que políticas educacionais deveriam encontrar meios para acomodar as relações entre a língua oficial e as línguas nacionais.

É importante realçar aqui que neste Congresso fala-se pela primeira vez em estabilizar dois conceitos distintos sobre a forma linguística de comunicação em Moçambique: a língua portuguesa era considerada língua oficial e as línguas africanas faladas em Moçambique eram consideradas línguas nacionais. Hoje consensualizou-se que a língua portuguesa ganha o estatuto de língua oficial e nacional e as restantes são línguas africanas de origem bantu faladas em Moçambique. Note-se ainda que diferentemente de Amílcar Cabral, que considerava a língua portuguesa como a melhor herança deixada pelos portugueses, Samora Machel prefriu usar a expressão “o melhor troféu conquistado ao colonialismo”. E dizia: “os portugueses não deixaram a língua, nós conquistamos e nacionalizamos a língua a língua portuguesa. Ela é um troféu valioso porque consbustancia a ideia da Unidade Nacional”.

Assim, em 1977, no 1º Seminário Nacional sobre o ensino da língua portuguesa, foi criado o Núcleo de Estudos das Línguas Moçambicanas (NELIMO), anichado na Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane. Neste seminário, entre muitas conclusões, podemos destacar duas recomendações estruturantes: 1º – que o ensino da língua portuguesa, em Moçambique, deveria seguir a norma da língua portuguesa falada e ensinada em Portugal, enquanto não houvesse condições científicas e técnicas que permitissem estabelecer a norma do português falado em Moçambique. 2º – que o NELIMO deveria trabalhar no sentido de estabelecer a padronização ortográfica das línguas moçambicanas.

Neste processo verificamos uma preocupação fundamental sobre as políticas da língua portuguesa em Moçambique. Desde o início da independência os aspectos técnicos e científicos estiveram sempre na mente dos políticos. Os políticos determinavam as linhas estratégicas, mas deixavam sempre aos cientistas e académicos a substância da investigação fundamental. Foi deste modo que 10 anos mais tarde, num seminário intitulado “Cenários da Língua Portuguesa” o NELIMO apresentou o seu estudo sobre a padronização ortográfica das línguas moçambicanas e ao mesmo tempo começaram a surgir os primeiros estudos científicos sistematizados sobre a língua portuguesa falada em Moçambique, eivada de empréstimos e influências das línguas moçambicanas. Podemos, pois, afirmar inclusivamente, que foi com base nestes estudos sobre o português falado em Moçambique que está a origem da criação da Cátedra: Português Língua Segunda, também anichada na Faculdade de Letras e Ciências Sociais e Humanas da Universidade Eduardo Mondlane. Quer dizer, Moçambique perseguiu sempre aconstrução de competência científica e técnica sobre a questão da gestão das línguas no País.

Com este processo histórico, podemos considerar que Moçambique, ao aderir à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa- CPLP e ao integrar o Instituto internacional da Língua Portuguesa- IILP, no que toca às políticas da língua, fá-lo com total clareza de quais os passos estratégicos que deve seguir e quais posições que deve tomar, nos debates em que se tenta articular políticas comuns dentro da CPLP.

A CPLP antes de se constituir numa comunidade política e económica com peso internacional tem vindo a mostrar-se acima de tudo, ainda como uma comunidade linguística. Contudo, não há ainda convergência total na sistematização de estratégias que lhe permitam consolidar este pressuposto de comunidade linguística, em primeiro lugar, através duma coesão interna da própria comunidade e por outro lado, através duma frente comum face à comunidade internacional.

Do nosso ponto de vista, esta tibieza e demonstração das hesitações estratégicas no processo de coesão interna resulta de uma velocidade desigual no que diz respeito às políticas da língua portuguesa e no seu entendimento face aos desafios que vão surgindo. Entre os quais a aceitação pacífica do pluricentrismo da língua portuguesa. Exemplo disso é o problema da questão do Acordo Ortográfico de 1990. Sem querer dissertar sobre a problemática do Acordo Ortográfico, permitam-me que apresente algumas linhas de reflexão sobre o assunto. Como me referi anteriormente, os políticos definem as políticas e estratégias, mas deveriam deixar aos académicos, cientistas e técnicos a criação dos fundamentos substantivos que legitimem a definição dessas políticas. No caso vertente do Acordo Ortográfico, o que nós temos verificado é que os avanços e recuos da adopção de uma estratégia comum sobre os pressupostos estratégicos que presidiram ao seu estabelecimento se fundam no facto de os políticos terem definido as estratégias e aprovado os pressupostos desse mesmo Acordo, mas dentro da comunidade académica, científica e técnica, os pares que deveriam trabalhar sobre estes pressupostos surgem alguns de nós a derrogar para os mesmos políticos a definição de questões substantivas.

Deste modo, em que não há um olhar comum de como substantivamente podemos trabalhar para buscar entre nós, pares, questões que permitam fazer avançar o processo do Acordo Ortográfico, já que se reconhece a pertinência da sua existência, se discute apenas aspectos subjectivamente adjectivos. É um erro devolver aos políticos a discussão da substância deste mesmo problema antes de nós próprios entendermos o que é que estamos a discutir. Pela decisão dos Chefes de Estado sobre o Acordo Ortográfico de 1990, o Acordo está em vigor a partir da ratificação por três dos países subscritores e a ser utilizado plenamente em muitos dos nossos países, mesmo aqueles que ainda não o ratificaram oficialmente, como é o caso de Moçambique. Por outro lado, foi outorgado ao IILP a gestão do processo da sua implementação. Tentar devolver aos políticos para que estes voltem a discutir estratégias é um recuo em direcção ao escuro que desprestigia a nossa classe.

Hoje, na CPLP em geral e no IILP, em particular, já se discute o papel da língua portuguesa na economia, na ciência, nas tecnologias, no mundo da internet, como um processo da sua internacionalização, mas a internacionalização de uma língua pressupõe a coesão interna de quem promove a política da sua internacionalização.

Quer isto dizer que a CPLP não pode discutir estes mesmos presupostos quando ao mesmo tempo apresenta fraquezas fraturantes, relativamente à visão do que pretende com a língua portuguesa dentro da sua própria comunidade. Dou como exemplo, a estéril discussão sobre o texto final do encontro dos ministros da Justiça da CPLP, realizado aqui em Díli em 2015, donde resultou o debate sobre a ortografia e a apresentação de duas versões escritas: uma na ortografia segundo o Acordo, e outra na ortografia portuguesa antes do Acordo.

A terminar, era meu desejo que a comunidade académica e científica que trabalha sobre a língua portuguesa pudesse dotar-se das mesmas competências discursivas para apresentar, junto dos seus políticos, propostas que exprimissem uma coesão da própria comunidade académica.

As divergências no mundo diplomático resolvem-se diplomaticamente, as divergências no mundo da política resolvem-se politicamente. Em consequência, melhor ainda que no mundo da diplomacia e da política as divergências no mundo da ciência e da academia resultam sempre em saltos substanciais em frente, rumo ao maior conhecimento, resultantes do debate com base no conhecimento e nunca com base no senso comum e no empirismo.

É hora pois, de apelar a esta platéia e aos membros das Comissões Nacionais do IILP e do Conselho Científico do IILP para que considerem que sem a nossa coesão científica resultante de um debate sério sobre tudo com que concordamos ou não concordamos entre nós, seremos sempre o elo mais fraco na cadeia das várias faces da CPLP, internamente e na arena internacional.

Muito obrigado!

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